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Nota de repúdio

Última atualização em Segunda, 24 de Janeiro de 2022, 18h47 | Acessos: 777

NOTA DE REPÚDIO

Os últimos dias foram atravessados pelos desdobramentos da publicação do artigo intitulado “Racismo de negros contra brancos ganha força com identitarismo”, do romancista e antropólogo Antonio Risério, na Folha de São Paulo, em 15 de janeiro de 2022. No texto, o autor defende a existência de um suposto racismo negro antibranco e acusa as universidades ‒ em especial, as públicas ‒ e a grande mídia de complacência e de “fazer vistas grossas” diante do “racismo, separatismo e mesmo projeto supremacista em movimentos negros”. Muitas foram as reações contrárias ao texto de Risério, dentre as quais se destacam a “Carta aberta de jornalistas da Folha à direção do jornal”, em protesto a conteúdos considerados racistas publicados no veículo; e a nota “A quem serve o ‘racismo reverso’?”, de autoria conjunta da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) e da Associação Brasileira de Pesquisadores/as negros/as (ABPN). Por outro lado, nesse mesmo contexto, também foi publicada a “Carta aberta de apoio a Antônio Risério e oposição ao identitarismo” ‒ com 872 signatários, dentre os quais se encontra um docente do Cefet/RJ ‒ sustentando em seu teor a tese fictícia de que o antropólogo em questão faz “oposição a uma ideologia intolerante e autoritária”.

Como pesquisadoras e pesquisadores dedicados ao estudo das relações étnico-raciais, repudiamos os irresponsáveis e contínuos debates que insistem em ocupar mídia e academia, pregando a inexistência do racismo estrutural, ou reafirmando a ficção por eles denominada “racismo reverso”. Em nome de uma suposta liberdade de expressão e de cátedra, atacam-se os corpos e os direitos históricos e duramente conquistados pelas populações negras. Defendendo uma pretensa busca de igualdade na sociedade, o texto de Risério ‒ e tantos outros ‒ insere no debate público análises anacrônicas e falsos paralelismos ‒ como a aproximação feita entre a Frente Negra Brasileira e movimentos autocráticos ‒, contribuindo, assim, para fomentar teorias conspiratórias e desonestas relacionadas às reivindicações dos movimentos negros ‒ equacionadas como “neorracismo científico”. Repudiamos, também, que docentes do Cefet/RJ, nossa instituição, por desconhecimento ou de modo deliberado, alinhem-se a uma retórica que, narcisicamente, investe na defesa dos discursos da branquitude e na caracterização do racismo como “querela semântica” dos “identitaristas pós-modernos autoritários”. Consideramos que uma instituição tal como o Cefet/RJ ‒ tão diversa e antirracista por abrigar um inovador e vanguardista Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-Raciais ‒ não pode admitir esse tipo de postura eminentemente retrógrada, em especial vinda de alguém de seu corpo docente.

Entendemos que a difusão desse falso debate constitui uma prática oportunista de certos grupos privilegiados que, desde sempre, se posicionaram contrários às políticas de ações afirmativas para a população negra e indígena, e, no atual contexto da revisão da Lei de cotas raciais (Lei 12.711/2012, que, em 2022, completa 10 anos), voltam a difundir visões ficcionais que, além de desqualificarem os movimentos negros, corroboram com o mito da democracia racial. Em um contexto marcado pela nefasta disseminação de fake news e discursos de ódio, pelos ataques constantes às instituições democráticas e à ciência, pelo aumento da violência contra populações negras e indígenas no país e pelas tristes consequências de uma pandemia que já ceifou mais de 620 mil vidas (muitas delas vidas negras e periféricas), a falácia do “racismo reverso” é mais uma engrenagem da estrutura racista do nosso país e do pacto da branquitude para manter as benesses e lugares sociais de sempre. Branquitude esta que permite aos signatários da carta afirmar que Risério ‒ defensor da ideia de que os “negros foram, sim, racistas” ‒ seria “um dos melhores leitores vivos da nossa cultura”.

Amparados na falsa afirmativa de que o racismo é individual e não um fenômeno social, o autor do artigo e seus apoiadores tentam negar o racismo verdadeiro ‒ aquele que atinge o negro ‒ pelo que seu fenótipo representa: pele preta/parda, cabelo e traços característicos, o que socialmente tem sido lido como uma ameaça social. Em um processo de contra-golpe, o artigo reedita a estratégia de culpabilizar o negro, agora revelando, além da ignorância sobre o significado do racismo, a necessidade da persistência de manter o negro silenciado. Por sua vez, o nosso compromisso ético com a pesquisa no campo das relações étnico-raciais passa pela construção de uma sociedade que seja capaz de reconhecer e reparar as injustiças raciais que seguem permitindo a existência e a propagação de textos como o de Antônio Risério, que não só provam como também reforçam uma lógica racista que atravessa a sociedade brasileira e ceifa as vidas de pessoas negras todos os dias.

Em um contexto de negacionismo científico em múltiplas frentes, seguiremos instrumentalizando o nosso repúdio e luta antirracista em produções acadêmicas de excelência para que, em um futuro próximo, notas como essa pertençam a um vexaminoso passado.

 

Programa de Pós-Graduação em Relações Étnico-Raciais (PPRER-Cefet/RJ)

 

 

 

 

 

 

 

 

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